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sexta-feira, 16 de abril de 2010

Rio de Janeiro

Apesar de não ser do meu perfil o famoso copia e cola da internet, não pude deixar de trazer o texto sobre o Rio de Janeiro, de muita valia e rara inteligência.
 

A CAPITAL PERDIDA. (J.R. Guzzo, Veja, 14/10/2009) Dentro de alguns meses, em abril de 2010, vão se completar cinqüenta anos do ato de agressão mais perverso que já se cometeu, em toda a história nacional, contra uma grande cidade brasileira: a expropriação da capital do país, tomada do Rio de Janeiro e transferida para Brasília. 

A data vai ser motivo de festa oficial de primeira categoria, com desfile, show e missa; deveria ser um dia de luto fechado. Até abril de 1960, o Brasil tinha o que poderia haver de mais próximo, no mundo inteiro, a uma capital perfeita. A partir dali, perdeu-a para sempre. Até hoje não dá para entender por que um país abençoado pela existência de um prodígio como o Rio de Janeiro, uma das cidades que a natureza e o gênio humano colocaram entre as mais brilhantes do planeta, decidiu que ela não servia mais para ser sua capital. Nada nem ninguém, forçou o Brasil a sofrer essa perda. Nenhuma vantagem trazida pela nova capital compensou, nem de longe, o desmanche do patrimônio incomparável que a nação havia construído no Rio – e que hoje, com o progresso geral dos últimos cinquenta anos, sabe-se lá em que alturas poderia estar. 

Bendita Olimpíada de 2016, portanto. Já estava mais do que na hora de ser tomada alguma grande decisão em favor do Rio de Janeiro, e sua escolha como sede dos Jogos Olímpicos pode ser um momento de virada; é, certamente, a maior oportunidade de reação oferecida ao Rio desde o atentado que sofreu meio século atrás. Não se trata, nesta questão, de fazer pouco de Brasília, ignorar quanto ajudou para irradiar progresso no centro do país ou negar o muito que foi construído ali. 

O comentário é sobre a calamidade que o poder público impôs a uma cidade que vive no coração de todos os brasileiros capazes de admirar seu próprio país; ao cassar do Rio a condição de capital, matou uma parte de sua alma. A perda, no fundo, vai muito além dos limites da geografia carioca. Pois a verdade é que não foi o Rio de Janeiro que perdeu o direito de ser a capital do Brasil. Foi o Brasil que perdeu o direito de ter sua capital no Rio de Janeiro. Isso não tem conserto. Nenhum exército de ocupação estrangeiro conseguiria fazer tanto mal ao Rio quanto os próprios governos brasileiros fizeram; comparado ao presidente Juscelino Kubitschek, em termos de estrago a longo prazo, o corsário Duguai-Trouin parece um benemérito. 

Perdida a capital, foi imposta à cidade, tempos depois, uma fusão irresponsável, inepta e ruinosa com o antigo estado do Rio, numa operação que conseguiu apenas somar vícios e subtrair virtudes. Nos anos seguintes, o Rio de Janeiro se viu castigado por alguns dos piores governos já registrados na história humana. A certo momento, por decisão de Brasília, chegou-se pura e simplesmente, em 1976, à demolição física do Palácio Monroe, um dos principais monumentos da arquitetura carioca e antiga sede do Senado Federal. Talvez nada tenha servido tão bem como símbolo do rancor e despeito dos governantes brasileiros pelo Rio quanto esse feito do presidente Ernesto Geisel, baseado no argumento de que o Monroe atrapalhava o trânsito e um túnel do metrô – que já estava pronto quando o palácio foi demolido. (Presidentes da República, naquela época, podiam fazer essas coisas. Não havia liminares, relatórios de impacto ambiental ou procuradores – ou melhor, até havia procuradores, mas estavam procurando outras coisas e, sobretudo, outras pessoas.)

A Olimpíada de 2016 não pode ressuscitar o que foi destruído, assim como não pode fazer, nos próximos sete anos, a maior parte do que deveria ter sido feito nos últimos cinquenta. Além disso, não temos um histórico bom quando se colocam na mesma frase as palavras governo, verbas e obras – daqui até a cerimônia de abertura dos Jogos, o público vai se cansar de ouvir notícias sobre obras erradas, obras malfeitas, obras atrasadas, obras abandonadas, obras caras demais e, até, verbas sem obra. Mas tudo terá valido a pena, certamente, se na cerimônia de encerramento o Rio estiver melhor do que está hoje. 

O Brasil, que já fez um plebiscito para decidir se queria voltar à monarquia ou continuar sendo república, não perguntou à população do Rio, ou a qualquer outro brasileiro, se concordava com a mudança da capital. Hoje não tem mais nada a perguntar sobre o assunto, mas tem a obrigação de reparar ao máximo o mal já feito. O Rio de Janeiro continua vivo, é claro, pois cidades são coisas duras de destruir – não é fácil nem com bomba atômica, como comprovam Hiroshima e Nagasaki. Mas merece muito mais do que sobreviver.

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